Trechos retirados por Celso de Mello e Luiz Fux causam estranhamento até entre colegas do Supremo
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF / Divulgação |
Defensores viram nos trechos cortados pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello (foto) a possibilidade de alterar o veredicto do julgamento do mensalão
A omissão de trechos no acórdão do mensalão virou a nova arma de defesa dos réus condenados no julgamento.
Após a publicação do documento, os advogados viram nos trechos cortados pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello, principalmente, a possibilidade de alterar o veredicto dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre as 8.405 páginas do acórdão, Fux retirou todos os 518 comentários e colocações feitos ao longo dos quase cinco meses do processo.
Com isso, o documento traz trechos muitas vezes sem sentido, em que ministros respondem a questionamentos feitos por Fux sem que as perguntas feitas por ele apareçam.
Num trecho, o então presidente do STF, Carlos Ayres Britto, pergunta a Fux se ele julga procedente a ação quanto a três réus. Na resposta de Fux, aparece apenas a palavra “cancelado”.
Em seguida, Britto questiona o colega se um réu “podia deixar de não saber” a respeito de um crime. Novamente, a resposta aparece como “cancelada”.
“O fato de o ministro Fux ter tirado do acórdão o que disse me parece ser uma omissão, e nós podemos pedir que ele declare o que foi retirado. Isso pode vir a ser considerado contraditório”, disse Luiz Fernando Pacheco, advogado do deputado federal José Genoino (PT-SP), condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha.
O ministro Celso de Mello também excluiu do acórdão boa parte de suas participações nos debates. Foram 805 supressões, o número mais alto entre os magistrados.
Alguns advogados dos condenados reclamaram das omissões e garantem que vão recorrer contra o cancelamento de trechos dos votos.
Em outro trecho, a retirada das intervenções transformou uma passagem do julgamento em verdadeira incógnita. Na página 4.139, por exemplo, há um diálogo entre Fux, Celso de Mello, Ayres Britto e o revisor, Ricardo Lewandowski.
Os apartes de Fux e Celso, no entanto, tornam o diálogo indecifrável, pois seis frases proferidas pelos ministros aparecem com a tarja “cancelado”.
“Se esses cancelamentos sugerirem alguma supressão de pontos relevantes, pode-se ensejar em embargo de declaração por omissão”, concorda Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB e delator do mensalão, condenado a 7 anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Voto no YouTube
Procurados pelo Terra, os ministros Celso de Mello e Luiz Fux usaram o regimento interno do Supremo para justificar os trechos cancelados no acórdão.
Para Celso, os trechos cancelados não mudam o resultado do julgamento. Segundo ele, quando é não relator ou revisor, o ministro têm a faculdade de cancelar seus votos, exceto quando não é o primeiro a divergir das teses apresentadas.
O ministro explicou também que suprimiu algumas partes por uma razão de ordem prática: ele já havia excedido em quatro dias o prazo para devolução de seu voto.
Em nota, Fux respondeu que o cancelamento das notas taquigráficas não interfere na compreensão de seus votos. Ele acrescenta, ainda, um argumento já utilizado pelo presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, para negar a liberação antecipada dos votos aos advogados dos réus.
“A repetição do conteúdo dos votos escritos nas notas taquigráficas geraria indesejado aumento do número de páginas do acórdão, que, como sabido, alcançou a marca de mais de 8 mil laudas.
O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, num resumo dos votos escritos.
O conteúdo das sessões está gravado em áudio e vídeo, podendo ser acessado portal da TV Justiça no 'YouTube'", diz a nota.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também tentou minimizar os efeitos da supressão de trechos dos debates travados durante o julgamento.
“O que é importante é que os argumentos essenciais e as discussões principais constem no acórdão. E pelo que tenho notícia, algumas supressões feitas não eram substanciais, não tinham importância fundamental.
E isso possibilitou a publicação do acórdão em um menor tempo”, justificou Gurgel.
Argumento para as defesas
Essa posição, contudo, não é unânime nem dentro do Supremo.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, a supressão de trechos de discussões e de votos do acórdão contraria a legislação.
"Sempre fui radicalmente contra esse cancelamento. O regimento é claro e diz em bom português que as discussões travadas serão degravadas e comporão o acórdão.
Se um ministro não quer que um determinado comentário não entre no acórdão, então que se policie para não falar”, critica Marco Aurélio.
O ministro também acredita que essa supressão de votos poderá dar brecha para que condenados recorram da decisão.
“A defesa se vale de qualquer aspecto que entenda válido para socorrer os interesses do defendido. O que nós falamos ali no plenário não mais nos pertence. Depois que abrimos a boca e verbalizamos, isso pertence às partes interessadas”, afirma Marco Aurélio.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão.
Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara.
Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira.
Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso.
Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias.
Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.
O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato.
O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012.
A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa.
Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora.
Assim, restaram 37 réus no processo. No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão.
Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus.
Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.
Após a publicação do documento, os advogados viram nos trechos cortados pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello, principalmente, a possibilidade de alterar o veredicto dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre as 8.405 páginas do acórdão, Fux retirou todos os 518 comentários e colocações feitos ao longo dos quase cinco meses do processo.
Com isso, o documento traz trechos muitas vezes sem sentido, em que ministros respondem a questionamentos feitos por Fux sem que as perguntas feitas por ele apareçam.
Num trecho, o então presidente do STF, Carlos Ayres Britto, pergunta a Fux se ele julga procedente a ação quanto a três réus. Na resposta de Fux, aparece apenas a palavra “cancelado”.
Em seguida, Britto questiona o colega se um réu “podia deixar de não saber” a respeito de um crime. Novamente, a resposta aparece como “cancelada”.
“O fato de o ministro Fux ter tirado do acórdão o que disse me parece ser uma omissão, e nós podemos pedir que ele declare o que foi retirado. Isso pode vir a ser considerado contraditório”, disse Luiz Fernando Pacheco, advogado do deputado federal José Genoino (PT-SP), condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha.
O ministro Celso de Mello também excluiu do acórdão boa parte de suas participações nos debates. Foram 805 supressões, o número mais alto entre os magistrados.
Alguns advogados dos condenados reclamaram das omissões e garantem que vão recorrer contra o cancelamento de trechos dos votos.
Em outro trecho, a retirada das intervenções transformou uma passagem do julgamento em verdadeira incógnita. Na página 4.139, por exemplo, há um diálogo entre Fux, Celso de Mello, Ayres Britto e o revisor, Ricardo Lewandowski.
Os apartes de Fux e Celso, no entanto, tornam o diálogo indecifrável, pois seis frases proferidas pelos ministros aparecem com a tarja “cancelado”.
“Se esses cancelamentos sugerirem alguma supressão de pontos relevantes, pode-se ensejar em embargo de declaração por omissão”, concorda Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB e delator do mensalão, condenado a 7 anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Voto no YouTube
Procurados pelo Terra, os ministros Celso de Mello e Luiz Fux usaram o regimento interno do Supremo para justificar os trechos cancelados no acórdão.
Para Celso, os trechos cancelados não mudam o resultado do julgamento. Segundo ele, quando é não relator ou revisor, o ministro têm a faculdade de cancelar seus votos, exceto quando não é o primeiro a divergir das teses apresentadas.
O ministro explicou também que suprimiu algumas partes por uma razão de ordem prática: ele já havia excedido em quatro dias o prazo para devolução de seu voto.
Em nota, Fux respondeu que o cancelamento das notas taquigráficas não interfere na compreensão de seus votos. Ele acrescenta, ainda, um argumento já utilizado pelo presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, para negar a liberação antecipada dos votos aos advogados dos réus.
O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, num resumo dos votos escritos.
O conteúdo das sessões está gravado em áudio e vídeo, podendo ser acessado portal da TV Justiça no 'YouTube'", diz a nota.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também tentou minimizar os efeitos da supressão de trechos dos debates travados durante o julgamento.
“O que é importante é que os argumentos essenciais e as discussões principais constem no acórdão. E pelo que tenho notícia, algumas supressões feitas não eram substanciais, não tinham importância fundamental.
E isso possibilitou a publicação do acórdão em um menor tempo”, justificou Gurgel.
Argumento para as defesas
Essa posição, contudo, não é unânime nem dentro do Supremo.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, a supressão de trechos de discussões e de votos do acórdão contraria a legislação.
"Sempre fui radicalmente contra esse cancelamento. O regimento é claro e diz em bom português que as discussões travadas serão degravadas e comporão o acórdão.
Se um ministro não quer que um determinado comentário não entre no acórdão, então que se policie para não falar”, critica Marco Aurélio.
O ministro também acredita que essa supressão de votos poderá dar brecha para que condenados recorram da decisão.
“A defesa se vale de qualquer aspecto que entenda válido para socorrer os interesses do defendido. O que nós falamos ali no plenário não mais nos pertence. Depois que abrimos a boca e verbalizamos, isso pertence às partes interessadas”, afirma Marco Aurélio.
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão.
Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara.
Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira.
Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso.
Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias.
Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.
O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato.
O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012.
A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa.
Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora.
Assim, restaram 37 réus no processo. No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão.
Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus.
Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.
Posted 2 hours ago by René Amaral
do Blogg do Amoral Nato
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