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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Coreia do Norte: o país mais estranho do mundo é um país deste mundo

A Coréia do Norte não é um exemplo de país mas é MUITO diferente do que pinta a mídia ocidental.....

O primeiro contato com eles foi ainda no aeroporto de Pequim, no meio daqueles estrangeiros visivelmente enlouquecidos com o início da aventura.
Ali, de repente, começaram a surgir pessoas carregando aquela marca inconfundível: os bótons vermelhos, com o rosto sorridente de Kim Il-sung sozinho ou ao lado do rosto sorridente do seu filho Kim Jong-il.
Respectivamente, os rostos sorridentes do Grande Líder e do Querido Líder.
Eram os norte-coreanos que eu tanto esperava. Mas ao contrário do que todos os programas de TV e reportagens indicam por aí, não havia nada de raiva ou vontade de destruir o mundo naquelas pessoas. Pelo menos não de forma aparente. De diferente de nós, apenas o hábito que alguns povos têm de ignorar filas, mesmo as do check-in.
Aquele contato foi uma prévia do que mais me marcou nos 6 dias em solo norte-coreano: ver cidades tão normais, com pessoas tão normais, no meio de um clima tão diferente.
A Coreia do Norte foi proclamada como República Popular Democrática da Coreia em 9 de setembro de 1948. Foi nessa data que o país passou a ser oficialmente uma nação, com Kim Il-sung na liderança e em busca de dois objetivos principais: implementar o comunismo no seu território e se transformar em um Deus para os seus conterrâneos.
As duas metas foram alcançadas com folga.
Durante um bom punhado de anos, enquanto a União Soviética existia, a Coreia do Norte chegou a ser um sucesso comunista, com economia mais forte do que a vizinha do sul. Até hoje, as maiores obras que o país fez foram realizadas no período em que Kim Il-sung governou a nação vivo – e muitas outras foram levantadas em seu nome nas últimas duas décadas, desde quando ele passou a governar os norte-coreanos morto, conforme garante a constituição local.
Ao mesmo tempo, a máquina de propaganda do governo trabalhava com perfeição para transformar o líder em um ser divino, responsabilizando exclusivamente ele (e mais tarde também o seu filho) por tudo de bom que acontecia no país mesmo nos momentos mais difíceis.
Uma viagem turística ao país gira basicamente em torno desses assuntos: o “sucesso” comunista e a divindade e a sabedoria de Kim Il-sung.
O exemplo mais fantástico e embasbacante é o Mass Games, também conhecido como Arirang (nome do espetáculo encenado até este ano). Um show de sincronismo, acrobacias, danças, pirotecnia e propaganda pró-comunismo e pró-dinastia Kim que não tem como explicar (mas tentarei fazer isso em um outro post).
Mesmo sabendo que você está naquele estádio enorme para ver uma história que é uma metáfora de uma suposta vida de um ditador, é impossível não se emocionar muito com a energia da multidão na arquibancada e no palco (são mais de 100 mil participantes).
Um espetáculo grandioso como uma abertura de Olimpíada e que não deve nada, nada, nadica a um Cirque du Soleil da vida.
Saindo da encenação, a vida real também mostra que Kim Il-sung atingiu em cheio os seus objetivos.
Nas ruas de Pyongyang, as pessoas são praticamente iguais, desde os cortes de cabelo até as roupas – terno azul marinho ou marrom-esverdeado para os homens, camisa clara e saia escura para as mulheres. Quase não existem lojas e os militares estão em tantos lugares que posso apostar que 90% dos homens do país trabalham para o exército. Os prédios têm o mesmo estilo e as mesmas cores: amarelo, verde, rosa ou cinza (que eu não consegui ver se era cinza de cimento, por falta de acabamento, ou se era tinta cinza mesmo). Todos, sem exceção, precisando urgentemente de reformas e completamente desbotados.
Nem um complexo de prédios construídos nos anos 90, que destoam da arquitetura quadrada dos outros e que são um dos maiores símbolos de modernidade da capital, aparecendo em vários cartões postais, resistem a uma olhada mais próxima. Eles também precisam de reformas.
O comunismo dos Kim não tem dinheiro para reparos nos edifícios da cidade-modelo onde apenas as pessoas mais inofensivas ao regime moram, protegidos dos seus conterrâneos por barreiras militares nas estradas. Barreiras, aliás, comuns a todas as cidades, já que as pessoas são proibidas de viajar entre elas sem autorização do governo.
Conservado e impecável, por lá, só os monumentos e os prédios governamentais mesmo. E são muitos.
No primeiro dia da viagem, por exemplo, visitamos nada menos que 11 lugares.
É um número grande, claro, mas a verdade é que alguns deles não precisam de mais do que 15 minutos de visita. É o tempo necessário para ver o que é possível, ouvir as explicações sobre a sua história e, claro, conhecer a relação de cada um com o Grande Líder:
“O presidente Kim Il-sung esteve aqui em 1990 e nos disse para fazer assim e assado.”
“Esse monumento tem 70 metros de altura, que representam os 70 anos do presidente Kim Il-sung na época da sua inauguração.”
Se o Grande Líder esteve em algum local em algum dia da sua vida, pode ter certeza de que isso vai ser mencionado. E certamente vai haver uma foto dele, no maior tamanho possível, em alguma parede de destaque, com ou sem uma foto de tamanho idêntico do seu filho, ao lado.
Diante dessas imagens e também das estátuas, convém ser respeitoso e fazer reverência quando o guia local indicar.
Para o norte-coreano médio, Kim Il-sung é deus (ele conseguiu, lembra?) e você não vai querer ofender aquelas pessoas. Até porque ofender o guia não é uma boa ideia. Além de ser uma estupidez sob o ponto de vista humano, já que ele é apenas um pobre trabalhador que crê inocentemente em um homem, também é sob o ponto de vista turístico.
Explico: é que, apesar de todo o tour ser organizado por uma agência estrangeira (no meu caso, a Koryo Tours), quem manda na viagem é o guia local. Ele é quem tem o poder para decidir onde o grupo vai e quanto tempo vai ficar. Se ele ficar cabreiro com o seu grupo, provavelmente vai atrapalhar a sua viagem. Como? Mandando o motorista dirigir mais devagar, para não dar tempo de ver tudo, por exemplo.
Pode parecer maldade da parte dele, mas não é.
 O guia é apenas um funcionário público (como todos os norte-coreanos) com uma responsabilidade enorme nas costas: qualquer problema que acontecer com o grupo é culpa dele. Por isso ele só relaxa quando passa a confiar em todos – e desrespeitar a imagem de Kim Il-sung não é um indicativo de que você é confiável.
Se, por exemplo, algum engraçadinho escapar para dar uma voltinha desacompanhado na rua (algo proibido e avisado a todos os turistas), ele é quem vai levar o esporro dos chefes. Ele é quem vai ter o seu emprego ameaçado e, consequentemente, seu padrão de vida, sua família e seus sonhos.
Sonhos? Padrão de vida?
Sim.
É ridículo lembrar disso, mas no meio de todo o bombardeio de informações clichê que recebemos do país, mostrando tudo aquilo que você já sabe, é preciso um esforço para se dar conta de uma obviedade: os norte-coreanos médios são pessoas normais, com rotinas, desejos e preocupações idênticos ou muito parecidos com os nossos aqui do lado ocidental do mundo.
Eu comecei a me dar conta no aeroporto de Pequim, no primeiro contato com eles, citado no início deste post.
Depois continuei no aeroporto de Pyongyang, lotado como qualquer aeroporto de capital do mundo. E segui durante todos os outros dias, vendo uma cidade normal, com as pessoas em cenas que poderiam estar acontecendo na frente da minha casa: indo para o trabalho ou voltando dele, pegando ônibus e bondes lotados, andando de bicicleta, descansando ou brincando nas praças, a caminho da escola, pescando, remando ou estudando na beira do rio Taedong, fazendo piqueniques nos parques, dançando e cantando em um feriado ensolarado.
Até nos deslocamentos para as duas cidades que visitei no interior (Nampo e Kaesong), o cenário não era muito diferente do que eu veria em uma viagem pelo interior do Brasil: plantações, morros, vilas simples (com prédios precisando de reformas ainda mais urgentes do que os de Pyongyang) e pessoas trabalhando.
Uma vida diária relativamente parecida com a do nosso mundo, só que em um cenário pobre, com luzes fracas (mas longe da escuridão total), tráfego leve (mas longe do inexistente), com cartazes revolucionários e imagens do Grande e do Querido Líder para todos os lados.
Não, eu não esqueci que os turistas só passam por lugares previamente definidos pelo governo e que obviamente o que eu vi foi apenas isso. Eu sei. Mas foi o que eu vi e vai ser o que você também vai ver se for para lá.
Para os turistas, a Coreia do Norte é tudo aquilo que se imagina. Mas, ao mesmo tempo, não é tudo aquilo que se imagina. E isso faz a experiência norte-coreana ser ainda melhor.
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