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sábado, 20 de julho de 2013

Os médicos e a vanguarda do atraso


Por Breno Altman, na revista Fórum: 


As manifestações de médicos, nessa última terça-feira, revelam um núcleo duro e mobilizado das elites brasileiras. 

Sua influência nos meios de comunicação, na sociedade e nas instituições já ameaça o programa de saúde recentemente lançado pelo governo. 

A julgar pelas emendas apresentadas na Câmara dos Deputados, a desfiguração desse projeto será inevitável. 

O Palácio do Planalto pode estar pagando um preço por ter agido de forma atabalhoada, sem consultar e articular as correntes mais progressistas da medicina, o que seria obrigatório para batalha dessa envergadura. 

Mas a reação não é contra eventuais falhas de interlocução: sua natureza reside em defender privilégios corporativos, contrapostos aos interesses do país e aos direitos da cidadania. 

As três principais bandeiras nas marchas dos jalecos brancos são elucidativas. 

São contra a extensão da residência em dois anos, com obrigatoriedade de servir o Sistema Único de Saúde. 

Não concordam com a vinda de doutores estrangeiros para cobrir déficit de profissionais, especialmente nos rincões do país. 

Reivindicam a derrubada do veto presidencial sobre o chamado Ato Médico, que fixava supremacia da categoria em relação a outros trabalhadores do universo sanitário. 

São reivindicações de quem olha para o próprio umbigo. 

Insuflada pelos extratos mais ricos e articulados com o conservadorismo, a mobilização médica não entra na briga para a melhoria da saúde pública. 

Seus maiores aliados são os que comandaram campanha para eliminar a CPMF e retiraram cerca de 40 bilhões de reais anuais para o financiamento do setor. 

Não passa de deslavada hipocrisia quando se afirma que o problema não é a falta de médicos, mas a carência de estrutura nos hospitais e centros de atendimento. As dificuldades são inegáveis, isso é fato. 

No contexto deste embate, porém, não passam de álibi para que o andar de cima possa fazer sua vida sem reciprocidade com os milhões de brasileiros que suaram a camisa e pagaram impostos para garantir a existência de boas faculdades públicas de medicina. 

O Brasil tem um número pífio de médicos, na proporção de 1,8 para cada mil habitantes. Na Inglaterra, esse índice é de 2,7. Em Cuba, de 6. 

Nos últimos dez anos, surgiram 147 mil novas vagas no mercado de trabalho, mas apenas 93 mil profissionais foram formados. 

Há 1,9 mil municípios com menos de um médico por 3 mil habitantes. 

Em outras 700 cidades, não há doutores com residência fixa. Nem é preciso dizer que esses 2,6 mil municípios sem assistência adequada estão entre os mais pobres e distantes dos grandes centros. 

O governo criou o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), para levar médicos ao interior e aos subúrbios. 

A demanda era de 13 mil trabalhadores, mas apenas 3,8 mil postos foram preenchidos, apesar do salário de 8 mil reais que é oferecido, agora aumentado para 10 mil no Programa Mais Médicos.

Até mesmo bairro periféricos de cidades importantes, como Porto Alegre e São Paulo, não conseguem atrair interessados. 

Parte expressiva da categoria, diplomada em instituições do Estado, não está nem aí para a hora do Brasil. Não quer sair de sua zona de conforto e se acha no direito de pensar apenas em carreira pessoal e montar um rentável consultório privado em alguma metrópole. 

Entidades da área, especialmente o Conselho Federal de Medicina, fazem de tudo para impedir a ampliação do número de faculdades (em nome da qualidade de ensino, é claro) e a contratação de médicos estrangeiros ou formados no exterior. 

A reserva de mercado, para essa gente, está acima da saúde pública. 

E essa gente é muito diferenciada. Enquanto 40% do total de alunos da Universidade de São Paulo frequentaram colégios públicos, na Faculdade de Medicina essa origem restringe-se a 2% dos matriculados. 

Na turma de 2013, nenhum deles era negro. 

Médicos ricos querem ficar mais ricos atendendo os ricos. 

Como os pobres têm bem menos chances de ganhar o canudo, esses que se lasquem. 

O governo tentou resolver o problema apenas por métodos de atração. Não encontrou auditório. Resolveu, então, adotar um modelo semelhante àquele adotado, há décadas, por países tão distintos quanto Israel e Cuba, instituindo uma variante de serviço civil obrigatório, ainda que bem remunerado. 

A formação de um médico, na universidade pública, custa ao redor de 800 mil reais para o tesouro da União e dos estados. 

Nada mais justo que haja alguma forma de retribuição pelo aporte realizado por toda a sociedade para cada indivíduo que virou doutor. 

Dois anos de reembolso, com um razoável contracheque, é uma bagatela. 

Vale lembrar que o dever do Estado é com o povo, não com os médicos. 

Talvez os estudantes das faculdades privadas pudessem estar isentos dessa medida, mas todo o cuidado é pouco para evitar que os endinheirados aproveitem brechas para escapar de sua obrigação social, trocando de curso. 

Uma ou outra correção cabe ser feita, mas o ministro da Saúde e a presidente Dilma Rousseff estão cumprindo sua tarefa constitucional. 

O que falta, além de mobilizar os setores da saúde favoráveis às providências adotadas, é travar uma batalha de valores mais firme sobre o programa em discussão. 

Por enquanto, parece que a preocupação principal é acalmar a ira de médicos ensandecidos pelo egoísmo de classe. 

O objetivo principal deveria ser debater os deveres de solidariedade dos que recebem privilégios e os direitos de todos a receber assistência médica de qualidade. 

Não se pode dar moleza a porta-vozes da ignorância e má fé. 

Quando personagens como Cláudio Lottenberg e Miguel Srougi se voltam contra a vinda de médicos cubanos, há pouco o que acrescentar. 

Mentem descaradamente sobre a qualidade desses especialistas, cuja proficiência é atestada pela Organização Mundial da Saúde e pelas 65 nações nas quais trabalham para suprir deficiências locais. 

Afinal, seria um horror para o reacionarismo de branco assistir médicos da ilha de Fidel, muitos entre eles negros, pegando no batente em locais para os quais seus colegas brasileiros viram as costas e tapam o nariz. 

A nudez de seu comportamento lhes seria insuportável. 

* Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel. Artigo publicado originalmente no Brasil 247. 

Postado por Miro 

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