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terça-feira, 7 de julho de 2015

“Deputados que votaram a favor da redução não se importam com segurança pública”


Doutor em Educação e estudioso do sistema prisional, Roberto da Silva, que já esteve preso na Febem, defende que as manobras de Eduardo Cunha apelam para o emocional, dando espaço para aprovar outras medidas reacionárias.
03/07/2015
Por Victor Tineo
De São Paulo (SP)

 
Foto Crédito: Rafael Stedile 
A redução da maioridade penal é um jogo de poderes, afirma Roberto da Silva, professor livre-docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ele foi interno na Febem na década de de 1970 e afirma que não vê diferenças do modelo antigo com o atual.
Para ele, medidas socioeducativas e uma reformulação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) podem ajudar na ressocialização dos adolescentes, mas admite que os parlamentares que votaram na PEC 171 não estão preocupados com isso.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele contra um pouco de sua experiência de vida e mostra maneiras de aplicar o discurso em prol de mais de educação na vida prática.
Como você avalia a atual conjuntura política brasileira?
O [Eduardo] Cunha é de um expoente político que não aceitou o resultado das eleições. Esse grupo comandado por ele resolveu reverter todas as conquistas sociais dos últimos doze anos, não importa se é do PT ou quem quer que seja, são conquistas da sociedade. Durante o discurso no plenário alguém lembrou que a avaliação positiva de Dilma está nos 9%, no início do ano o congresso também estava assim, desmoralizado, cheio de denúncias de corrupção. Liderando esse grupo político, ele elaborou uma estratégia para recuperar o prestígio do congresso nacional. Precisava de uma medida de apelo popular que mobilizasse a população, por isso ele desenterrou essa PEC de 1993.

Não é uma sacada nova dele, porque essa PEC foi a primeira reação contra aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que foi uma lei criada com participação popular, teve uma repercussão extraordinária, que colocou o Brasil no centro das relações internacionais como o país que mais avançou com a legislação de proteção ao menor. Esse clima de indisposição contra o governo é adequado para se fazer uma reviravolta, e entra o jogo sujo. E esse é só um dos temas, coloca-se em discussão revogar a lei do desarmamento, a lei dos transgênicos, Código Florestal, a demarcação das terras indígenas, terceirização, é uma pauta reacionária mesmo.
A discussão da redução da maioridade penal está preocupada com a segurança pública?
Não, isso não tem nada de segurança, isso não tem impacto nenhum na delinquência ou na redução da criminalidade. Não faz sentido!
Mesmo que fique só a questão dos crimes hediondos, se a PEC for definitivamente aprovada, amanhã ela afeta não mais do que 300 adolescentes internos no Brasil, porque estatisticamente a taxa de crimes cometidos por adolescentes é insignificante comparado com a dos adultos e entre esses adolescentes, os que cometem crimes hediondos é menos de 1%. Aqui em São Paulo não chegaria a afetar 200 internos, no Brasil todo cerca de 300 adolescentes. Qual o impacto disso na sociedade? Nenhum! Não é essa a questão
Mas, caso aprovado, não haveria o risco das punições serem arbitrárias?
Aprovada a lei precisa ser feita a regulamentação no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Sinase, e mesmo essa bancada que defende a proposta não tem clareza de como fazer isso, pois a classificação do tipo penal é feita pelo delegado de polícia. Ele que recebe o encaminhamento feito pela polícia militar ou civil e o delegado que faz o enquadramento penal. Isso é um risco, já que não se tem forma de defesa técnica do adolescente na delegacia. A Defensoria Pública não dá conta disso. O delegado pode usar o poder arbitrário dele. E aí acentua o problema da impunidade, que não existe, porque se for enquadrado crime hediondo e o Ministério Público conseguir desqualificar isso, esse menino vai ser livre, entende? Se o país não conseguiu construir unidades de internação adequadas para estes que estão aí, imagina se vai conseguir unidades especializadas para os outros.
Você acha que quem aprovou essa lei realmente esta preocupado com a ressocialização do jovem?
Não, de forma alguma. Uma incoerência do jogo político. As convicções políticas não seguem as convicções ideológicas, filosóficas ou religiosas das pessoas. Cristãos, evangélicos, o Partido Verde, Partidos Socialistas votando a favor de uma medida dessas é absoluta incoerência.
Muitos parlamentares apontaram que, ao invés de reduzir a idade penal, era necessário rever o ECA. O que senhor pensa a respeito dessa proposta?
Passados 25 anos é pertinente fazer ajustes no ECA, mas é preciso fazer ajustes principalmente no Sinase porque é ele que regulamenta a aplicação das medidas socioeducativas. Nós elaboramos um texto e enviamos pro governo federal, caso queiram poder desenhar a partir disso uma proposta para argumentar com os opositores.
O governo federal tem insistido que alterações no ECA seriam suficientes para equacionar o problema, mas que alterações são essas? Primeiro para se diluir esse discurso de impunidade precisa fazer no ECA o que todo esse tempo houve muita resistência, que é caracterizar a medida socioeducativa como pena, de fato as unidades de internação são pequenas cadeias, precisa estabelecer uma equivalência entre o ato infracional e o crime no código penal, porque hoje tem uma desproporção: o adulto e o adolescente cometendo os mesmos crimes, o adolescente é mais duramente punido.
Como assim?
Um crime de roubo a mão armada, por exemplo: a pena para adulto é de cinco anos e quatro meses, se ele for primário, ele cumpre só um sexto da pena - um ano, nove meses e dez dias, pelo mesmo crime o adolescente pode ficar interno até três anos, você tem uma desproporção ai. Se pelo mesmo crime, um adolescente, sendo primário, ficasse um ano, nove meses e dez dias estaria estabelecido a equivalência. Um caso de homicídio doloso, a pena vai de oito a doze anos, também tem uma desproporção ai, porque o adolescente só pode ficar até três anos, o adulto se for primário, ele não cumpre três anos. Então estabelecer equivalência ajuda a diminuir essa crítica em relação a impunidade. E depois, dar eficácia as medidas socioeducativas, porque hoje a sistemática de revisão delas acontece a cada seis meses e é o que permite ao adolescente ser liberado antes do cumprimento total da pena.
Estabelecer a equivalência, por exemplo, seria que para crimes cujo a pena seja de até quatro anos cometida por adolescente que se assegurasse que ele fique interno por pelo menos um ano, não se faz mais a revisão da medida em seis meses, mas sim em um ano. Nos crimes cuja a pena seja igual ou superior a oito anos, seja feita a revisão a cada dois anos e se for preciso quatro anos. Nos crimes hediondos se faz a cada três anos podendo ficar até nove anos. Isso é uma mudança possível de se fazer no ECA, sem mexer na constituição e sem lidar com a redução da maioridade penal.
E quais os impactos?
Pro adolescente, isso seria a a certeza da punição, a eficácia da lei não esta no seu rigor, mas em assegurar a efetividade da punição. É isso que os Estados Unidos, Canada, Japão, China fazem. A pena não precisa ser rigorosa a ponto de assustar o sujeito, uma das regras criminologia, o efeito dissuasório da pena onde as pessoas não deixam de cometer crimes porque a lei é dura, elas só deixam de cometer se houver a certeza da punição. Isso sinaliza para o adolescente que caso cometa um ato infracional equiparável será a certeza da punição.
Uma das palavras de ordem de quem é contra a redução é “mais escolas, menos cadeias”. O senhor, como um especialista no tema da educação, como interpreta uma possível aplicação prática dessa “bandeira”?
É uma alteração que se deve ser feita Sinase. Mais de metade dos adolescente que se envolvem em ato infracional já haviam rompido com a escola. Na Fundação, jovem é matriculado, mas tão logo eles sejam libertados não voltam para a escola. Essa é uma equação difícil de se operacionalizar no sistema atual e precisa ser corrigida.
Deve existir o entendimento que o adolescente é da escola. Dada a medida de internação o juiz deveria comunicar a secretaria de educação para reservar a vaga daquele menino. Porque, hoje, quando ele vai pra fundação ele é matriculado em outra escola que não é a dele, e isso cria todo um problema de rejeição.
 
Foto Crédito: Reprodução 
Os professores da Fundação Casa devem trabalhar o currículo da escola e ele ter a liberdade de poder participar das atividades coletivas da escola, para poder reatar a relação com o colegas e assim por diante. Assim não se aumenta a defasagem com relação da idade e a série dele.
A fundação casa poderia colaborar com a escola se a ajudasse com aquilo que ela [escola[ não pode fazer, que é a profissionalização do adolescente. Durante a internação ele cumpre o programa de origem curricular da escola e a Fundação Casa acrescenta a formação técnica e profissional.
Devolver o adolescente para sua escola com uma representação social diferente, se ele estudou, está equiparado aos alunos da série dele e tem uma qualificação profissional isso dá uma outra forma de inserção a ele. O que antes poderia ser uma liderança negativa passa a ser uma liderança positiva. 
Como você avalia o posicionamento da mídia em relação ao debate da redução? Principalmente em programas policiais de grande audiência, como Cidade Alerta e Brasil Urgente ?
Esses programas sempre existiram, no passado nós tínhamos um jornal chamado Notícias Populares, apelidado de "espreme que sai sangue". Dentro das cadeias o sinal de status do preso era ter uma foto no NP.
Esses programas foram muito denunciados, mas não se conseguiu tirá-los do ar, nem mesmo restringir o palavreado. Dado o alcance desses programas e a visibilidade que eles dão a alguns casos seletivos, boa parte da opinião que a população tem a respeito desses temas são criados por esses mesmos programas. Seja por parte da opinião pública, dos comunicadores ou por parte dos parlamentares, não conseguimos encontrar na fala deles algo que não tenha vindo de lá [programas].
Diante dessa hegemonia dos meios de comunicação, as informações mais qualificadas, resultado da pesquisa e da analise históricas e de conjuntura, não chegam as mãos de quem tem que tomar as decisões. Esse tem sido o foco do meu trabalho aqui, por exemplo no ultimo livro que eu lancei, "Ciência da delinquência: um olhar da USP sobre o ato infracional, infrator, medidas socioeducativas e suas práticas", eu tentei levantar pesquisa de várias áreas do conhecimento aqui da USP e o que elas dizem a respeito do fato, e fiz esse material chegar a mão de todos os deputados e senadores para qualificar a assessoria legislativa deles tendo outro tipo de informação no qual basear suas decisões, mas o peso disso é pequeno.
Você acha que sua própria história de vida poderia servir de exemplo nesse debate?
Eu faço uma análise dessa situação sem estar apaixonado, sem seguir o que dizem os meios de comunicação ou a opinião publica.
O Brasil é expert em produzir boas leis, mas elas não são capazes de mudar a prática, o que eu vivi em abrigos, na rua, na Febem, continua acontecendo. Na quarta (01) os canais de comunicação mostraram um monte de denúncias de adolescentes espancados dentro de unidades de internação. De 1970 até 1976, quando eu fiquei na pior das unidades da Febem, no Tatuapé [região leste da cidade de São Paulo], era exatamente isso que se acontecia - 40 anos atrás. Mudar as leis não significa que isso ira mudar a prática, e nós fizemos diversas experiências. 
Trabalhei muito tempo no redesenho de políticas públicas, tentamos a formação de recursos humanos, entretanto só qualificar não tem sido eficaz. Na Fundação Casa há um embate entre aquilo Durkheim falava sobre a divisão social do trabalho, entre o trabalho intelectual e do trabalho manual. Os técnicos, que são os pedagogos, psicólogos e assistentes sociais, trabalham na linha da socioeducação, mas os funcionários de nível médio, que são responsáveis diretos pelo atendimento ao adolescente, pela disciplina e tudo mais, ainda adotam a ideologia da paulada.
Só a formação não resolveu. Trabalhamos com o redimensionamento das unidades de internação, porque eu fiquei em abrigos que tinham 1.800 meninos, na Febem nós tínhamos dois mil adolescentes, o complexo da Imigrantes, quando foi desativado em 2002 tinha 1.800 jovens. Fez-se uma engenharia de desativar esses grandes complexos e construir unidades pequenas, porém todas estão super lotadas.
Quais os trabalhos possíveis para ressocialização de jovens internos na Fundação Casa?
A nossa melhor experiência foi o Centro de Ressocialização do Estado de São Paulo. Eram 21 centros, cada um em uma cidade diferente, 18 deles foram construídos na planta, com soluções de engenharia e arquitetura que achávamos mais adequadas.
Em várias dessas unidades nós acabamos com o uso de drogas e com um simples argumento: enquanto os presos aceitassem usar e traficar drogas, eles estariam sobre controle da polícia, porque era a polícia que colocava a droga lá dentro, então a forma de reverter esse poder da polícia sobres ele era se livrando da droga. Isso funcionou.
Na maioria delas acabaram as mortes, acabaram as fugas, a taxa de reincidência diminuiu, todos os presos tinham oportunidade de estudar e trabalhar se quisessem, as famílias passaram a ter uma participação mai ativa e deu-se algum grau de autonomia ao preso no ordenamento da vida interna da casa. Essa experiência deu tão certo que os agentes penitenciários se acharam destituídos do poder, ofendidos. Tiramos a cúpula da Secretaria da Administração Penitenciária que mantinha a corrupção dentro dos presídios. Houve uma reviravolta após a morte do Mario Covas. A corja que nós tiramos voltou ao sistema penitenciário e assim aboliram nossa proposta.
Os centros custavam muito menos para o Estado do que a penitenciária comum. Para 210 presos de cada centro tínhamos 70 funcionários, entre eles, 20 eram do estado, concursados e 50 livremente contratados, isso deu um equilíbrio para poder remover ou substituir os funcionários caso não se mostrassem adequados.
Uma vez que se dá um certo grau de autonomia para o preso, desperta-se um espírito de solidariedade orgânica. Ninguém admitia ver outro preso espancado, mesmo que fosse um desconhecido, porém não era motivo para uma rebelião ou para eles se tornarem contra o funcionário, porque ele era imediatamente demitido. Se a prisão é uma instituição inevitável para a sociedade moderna, é possível ter uma prisão onde você faça um preso se sentir seguro e cumprir com dignidade sua pena.

do Brasil de Fato

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