A MAIORIDADE DO REAL 18 ANOS
"Eu me orgulho de viver num país assim"
Alana Kimberly da Silva é a primeira pessoa de sua família a chegar à faculdade. Atribui isso à suada vitória contra a inflação
Marcelo Abreu Especial
para o Correio Estudante
Estudante, que completou 18 anos com o Real, em 1º de julho, sabe bem as agruras enfrentadas pelos pais com o descontrole de preços
Ela é linda e encabulada. Linda de cara lavada. O sorriso quase escondido revela ainda mais a beleza da moça esguia de 18 anos. Em tempos de Gabriela Cravo e Canela, a morena brejeira de Jorge Amado, nada mais justo dizer que a moça de Sobradinho II é tão bela quanto. E lá tão lá estava ela, no local marcado, às 10h de uma terça-feira. Na lanchonete do Iesb Norte, na 609 Norte, uma história emocionante.
Alana Kimberly da Silva é a prova de que sonhos, num país estável economicamente, podem virar, sim, realidade. Naquela sexta-feira, daquele 1º de julho de 1994, ela nasceu, no Hospital Regional de Sobradinho. É a mais velha das três irmãs.
Antenor José Alves Martins, o pai pizzaiolo, hoje com 40 anos, e Jucineide Gomes Martins, a mãe copeira, 38, acreditaram, mesmo diante de tantas incertezas e da vida difícil que levavam, que a menina teria um futuro diferente.
O que era desejo torna-se cada vez mais palpável.
Alana é a primeira de toda a família a chegar à faculdade. Cursa Relações Internacionais. Os pais, pelas dificuldades financeiras, não terminaram o ensino médio. “Minha conquista é deles também”, diz, emocionada. Estudar era prioridade para os pais. Até a 3ª série do ensino fundamental, ela frequentou uma escola particular modesta da região onde mora, com a ajuda de um tio, que pagava a mensalidade. Mas as coisas pioram e o compromisso não pôde mais ser cumprido. Alana foi para uma escola pública, onde ficou até a conclusão do ensino médio.
Sabendo das dificuldades que enfrentaria na concorrência com outros candidatos, em decorrência das carências do ensino governamental, não prestou vestibular para a Universidade de Brasília (UnB). “Seria muito difícil pra mim. Fiz vestibular no Iesb, e meu pai disse que a gente daria um jeito para pagar a faculdade”, conta. Pacto selado. Alana foi aprovada. Festa na casa simples de dois quartos em Sobradinho II, comprada por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Como pagar a faculdade?
A família recorreu ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa do Ministério da Educação, destinado a financiar estudantes de cursos de graduação em instituições particulares. Depois de formada, ela terá um tempo estipulado pelo governo para começar a pagar.
Terminando o primeiro semestre da faculdade, a filha do pizzaiolo também decidiu: quer trabalhar com comércio exterior e conhecer o mundo. “Sou a primeira pessoa lá de casa a chegar à faculdade. Tive uma oportunidade muito especial. Vou levar esse desafio até o fim, pela luta dos meus pais e pelos meus sonhos”, ela diz, com determinação impressionante.
Outro mundo
A moça de olhos amendoados que quer conhecer o mundo. Há seis meses, esse mesmo mundo se limitava às redondezas de Sobradinho I e II. O Plano Piloto, distante dali 26km, era uma outra realidade. Outro mundo. Continua sendo ainda um mundo estranho. “Não sei andar bem por aqui. Estou aprendendo. Uma hora você está nas 200. De repente, está nas 300.
Ainda é confuso pra mim”, ela conta, espantada com a imensidão de Brasília. E o primeiro desafio foi pegar, pela primeira vez, o ônibus que a deixaria perto da faculdade. “Meu pai disse que, quando eu visse um prédio vermelho, era aqui que tinha que descer. E me ligava o tempo todo pra saber se eu tinha chegado bem.”
Hoje, menos perdida, mas ainda num mundo diferente do seu, ela continua descobrindo as novidades. “Algumas colegas aqui falam da viagem que fizeram de férias para outros países.
Eu fico tentando imaginar como é viajar pra fora do país”, pensa a menina de Sobradinho II. Sobre viver num país com inflação sob controle, ela apenas ouviu falar. “Meu pai dizia que as coisas subiam de preço toda hora. E o dinheiro perdia o valor rapidamente”, conta.
Houve uma época difícil na vida da família. De muitas restrições e quase nenhuma certeza. “Minha mãe conta que, quando era jovem, teve que parar de estudar porque precisava ajudar a família. Foi trabalhar como balconista.” Na escola pública onde estudou a vida toda, Alana descobriu, numa pesquisa, que havia nascido no mesmo dia, mês e ano de uma data muito importante para a história recente do país.
“A professora disse que o Plano Real tinha a mesma idade que eu. Foi quando eu comecei a saber um pouco mais e comecei a perguntar para o meu pai como era viver naquela época da inflação”, afirma
E a menina foi compreendendo por que a vida dela e das irmãs havia mudado — e melhorado muito. Tem computador ligado à internet, aparelhos eletrônicos, celular, compra suas roupas e tem experimentado luxos antes impensáveis à família.
Sonho realizado
O pizzaiolo e a copeira, com a estabilidade da moeda e uma vida mais programada, com menos sustos, conseguiram juntar as economias. Há quatro anos, a família inteira conheceu o mar. Viajaram para a Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Foram de carro. Exceto Alana, que viajou depois, porque as aulas não haviam terminado.
“Andei de avião pela primeira vez na vida. A sensação de estar fora do chão é muito diferente. Lá dentro faz muito frio”, diz, ainda extasiada com a experiência de voar.
A família viveu as duas semanas mais marcantes de suas vidas.
“Minha mãe ficou emocionada. Vi isso no brilho dos olhos dela. A gente sentiu e viu coisa que nunca tinha sentido antes. Meu pai filmou toda a viagem. Ficamos apaixonados pelo Rio”, emociona-se a moça de longos cabelos negros. Quando fala dessa viagem, mesmo ocorrida há quatro anos, Alana parece voar daquela lanchonete da faculdade. “Comemos peixe, camarão, passeamos de barco. Parecia tudo um sonho. E nós estávamos realizados de verdade”, diz. E conta o esforço que o pai fez para proporcionar tamanha alegria à família: “Ele quis isso a vida toda.
Trabalhou, poupou e buscou”. E reconhece, do alto dos seus 18 anos: “Meu pai só conseguiu realizar isso porque o país está melhor, cada dia supera as expectativas. A crise lá fora não afetou a gente aqui. Isso é um grande avanço. É por isso que dizem que o Brasil é o país do momento”. Envaidecida do lugar onde vive, a estudante de relações exteriores admite:
“Eu me orgulho de viver num país assim”.
Com a possibilidade de sonhar e poder realizar, Alana tem metas bem definidas. Depois de formada, uma delas será colocada em prática. “Vou fazer concurso para o Itamaraty. Mas, antes, vou tentar um estágio lá. Quero viajar o mundo, colocar a cara fora e dizer: ‘Eu sou brasileira e sou capaz’.
Quero ir longe”. Ela sonha também em desenvolver projetos numa organização não governamental. “A gente precisa ter motivo para defender uma causa”, reflete. Enquanto esse dia não chega, Alana acorda cedo. Às 6h50 enfrenta um ônibus lotado, que a leva de Sobradinho II à faculdade, no meio da Asa Norte.
Uma hora depois, chega à 609, ao prédio vermelho que frequentará por quatro anos. E precisa administrar a mesada semanal de R$ 50 que recebe do pai. “Eu sonhei com esse mundo da universidade. É parte dos sonhos dos meus pais também. Todo dia ainda acho que estou sonhando”, ela admite, como se confessasse um segredo. Talvez o melhor que tem para confessar hoje.Ouvir Alana falar é como assistir a um filme bom. Um filme de final feliz. »
Assentamentos
A Região Administrativa de Sobradinho II foi criada em 27 de janeiro de 2004, por meio do Decreto Lei nº3.314. Recebeu esse nome devido à proximidade com Sobradinho, de onde migrou a maioria dos moradores — hoje estimada em cerca de 110 mil moradores. Com o passar dos anos, houve o inchaço populacional de Sobradinho, dentro de uma área que não possuía ainda projeto de expansão territorial.
Em 1990, o Governo do Distrito Federal criou um programa habitacional para a população de baixa renda, onde foram implantados assentamentos em diversas cidades. As primeiras ocupações de Sobradinho II começaram nessa década.
do blog do APOSENTADO INVOCADO 1
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